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terça-feira, 4 de setembro de 2012

O Médico Medroso


Ontem estava pensando sobre as melhores qualidades de um médico. Empatia, cumplicidade com o seu paciente, bom humor, conhecimento, letra legível, experiência, tranquilidade e algumas outras já discutidas neste espaço. Subitamente, me veio a cabeça uma qualidade pouco discutida mas indispensável ao bom profissional de saúde: o medo.

Não o medo que trava, inibe e faz errar mas o medo saudável. Aquele de prescrever a dose errada de uma medicação, dos efeitos colaterais, de um diagnóstico errado ou de uma conduta inadequada. O “medo bom” do médico inexperiente mas estudioso e realmente preocupado com o seu paciente. O medo que promove uma atenção muito maior a cerca do caso. As chances de erro diminuem drasticamente. Em medicina, na maioria dos casos, a observação e um tempo a mais para estudar a situação com embasamento científico, são possíveis e salutares. Estudar o caso ao invés de agir intempestivamente geralmente é muito melhor e mais seguro.

Há mais de dez anos venho participando da formação de clínicos gerais no Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, através do programa de residência e especialização médica. O medo dos residentes me deixa muito mais tranquilo. Prefiro o residente medroso ao corajoso. O questionador ao “sabe-tudo”. O estudioso ao passivo.

O primeiro plantão é motivo de muito medo, seja na enfermaria, no pronto-socorro ou na unidade de terapia intensiva. Todos nós, médicos, passamos ou passaremos por isso. Este medo é bom, pode acreditar. Sempre falo para os residentes diante de um plantão ou de uma nova empreitada: “Enquanto vocês estiverem com medo, eu fico tranquilo. Sei que vocês dão conta do recado. Meu medo só aparece quando vocês perdem os seus.”

Vale ressaltar que a função do medo não é limitar e sim, manter a atenção ligada. Os números mostram que a maioria dos processos contra médicos ocorrem após 15 anos da formatura. Isto apenas corrobora o fato de que, o medo gerando atenção, previne o erro médico. O profissional que já atua há mais tempo, ganha experiência e uma confiança perigosa, as vezes excessiva, perde o medo e descuida-se do paciente. A curva apresentada no final desta postagem deixa isto muito claro e demonstra outro fato interessante. A medida que o médico vai ganhando experiência e conhecimento, o medo (estresse) vai voltando e o número de processos volta a reduzir.

Toda mudança gera insegurança e medo. Sair da zona de conforto faz crescer. Novos desafios são essenciais para a vida. Caso você esteja, há muito tempo, sem sentir aquela dor de barriga de ansiedade e medo, reveja seus conceitos. Viver sem medo também é muito estressante.

O “medo bom” promove a procura pelo conhecimento, a atenção redobrada com o paciente e o bom atendimento. Nunca esqueça-se de manter este medo saudável. Cultive-o sempre! O médico com “medo bom” é mais seguro para o paciente. A experiência passa a ser perigosa se ela anula o medo.


Carmen C. Moran, (1998) "Stress and emergency work experience: a non-linear relationship", 
Disaster Prevention and Management, Vol. 7 Iss: 1, pp.38 - 46

Um comentário:

  1. Muito interessante! Lembrei de uma palestra que dizia sobre o medo. Basicamente que o medo pode ser bom ou ruim dependendo da atitude da pessoa. Quando a pessoa age com sentimento ela age com coragem e isso gera auto-confiança. O medo passivo que não leva a nada não gera nada e também é muito prejudicial. Ter medo e aprender com ele é uma questão de maturidade, parabéns! abraço

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