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terça-feira, 31 de julho de 2012

Acreditação Hospitalar: É Possível Acreditar?


No setor de saúde, assim como nos demais segmentos econômicos, a busca pela qualidade vem se tornando um diferencial importante entre as instituições. A acreditação hospitalar é uma ferramenta utilizada para avaliar a segurança e a qualidade dos serviços prestados em saúde. A ONA (Organização Nacional de Acreditação) é a principal instituição acreditadora no Brasil. Internacionalmente, a certificação mais conhecida e difundida é a da Joint Commission International.

Todas as acreditações visam uma padronização dos processos, embasada em um ambiente seguro para pacientes e colaboradores da instituição de saúde. A busca pela qualidade, inclusive, vem sendo remunerada pelas fontes pagadoras. Instituições comprovadamente qualificadas pelas acreditações recebem um repasse maior pelos serviços prestados. Nada mais justo. Maior a qualidade, maior o repasse.

O Brasil vem passando por uma onda de acreditações e isso é ótimo para o cliente. Melhorar a segurança tornou-se vital no setor. As instituições que possuem tais certificações certamente são destaque no mercado.

Vivi um processo recente de acreditação dentro do hospital em que trabalho. Nos últimos 8 anos, por exemplo, as melhorias são evidentes e as acreditações são as principais responsáveis por essa mudança. As acreditações vieram para ficar, mas ainda precisam se desenvolver muito para conseguir mudar, efetivamente, a cultura de qualidade das instituições de saúde.

O maior obstáculo encontrado pelos gestores é o envolvimento dos médicos neste processo. Existem poucos que compreendem a importância e que colaboram. A maioria desconhece e discrimina. Por que será? Parte da resposta é muito simples. A instituição que torna-se acreditada passa a ser melhor remunerada, mas o médico, peça fundamental do processo, não. O grande questionamento desses profissionais é o seguinte: “Além de mais trabalho, o que eu vou ganhar com isso?”. Claro que a melhoria da instituição promove ganhos indiretos; porém, a satisfação do profissional é sustentada por um tripé: reconhecimento profissional, ambiente de trabalho e remuneração. O equilíbrio promove a satisfação e consequente retenção dos bons profissionais. Qualquer um dos três, isolados, não satisfazem o profissional por muito tempo.

É chegada a hora de toda instituição de saúde profissionalizar a participação dos médicos nas ações de qualidade, investir na dedicação exclusiva do maior número possível de profissionais, remunerar, cobrar e valorizar colaboradores dispostos e aptos a ajudar. Nas melhores instituições de saúde do mundo, o profissional é remunerado pela assistência, pelo ensino e pela pesquisa. O perfil de cada um define sua área de atuação dentro da instituição ao longo do tempo. Qualidade em saúde é pesquisa pura. Identificar o problema, criar soluções, avaliar o resultado, otimizar o processo e multiplicá-lo são as essências da inovação. Inovação é o melhor investimento para a perenidade da instituição e deve ser estimulada sempre. Inovar é crescer.

A primeira etapa, de conhecimento desse novo universo das padronizações e de qualidade, está cumprida. A segunda etapa, de aperfeiçoamento das técnicas de gestão em saúde, chegou. Não podemos deixar de surfar essa onda. A instituição que conseguir reter seus médicos, de verdade, lançando mão de projetos profissionais irá se sobressair. Isso é fato.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Chip no Jaleco: Ofensa ou Pausa para Reflexão?


Na última semana, muito se comentou sobre a atitude de gestores do Rio de Janeiro, que resolveram colocar chips nos jalecos dos profissionais de saúde na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Mesquita, na Baixada Fluminense. A medida, segundo a empresa responsável pela gestão da unidade, visa controlar a frequência de seus 150 servidores e evitar o desvio de materiais.

Acredito que essa medida merece uma discussão mais sensata, ponderada e isenta de conflitos de interesse.

A colocação de chip nos jalecos dos profissionais que cumprem suas funções e carga horária adequadamente não é motivo de brigas ou discussões. O profissional é contratado para trabalhar com a carga horária definida e espera-se que ele cumpra tal horário. Não entendo, então, qual o problema em monitorar a frequência.

“Monitorar com chip é coisa de supermercado ou para animais.” Argumento falho que demonstra total falta de conhecimento. O chip não pode e nem deve ser rotulado dessa forma, pois possui ainda uma infinidade de utilidades, sendo o monitoramento da frequência a mais simples delas.  O uso dessa tecnologia, ainda cara, apenas para monitorar frequência é de fato um desperdício, jamais uma ofensa.

As mais modernas técnicas de gestão vêm lançando mão do chip para assegurar, principalmente, a segurança do paciente. O RFID (do inglês Identificação por Rádio Frequência) ainda engatinha no setor de saúde. Vocês sabiam que tecnologias semelhantes já são utilizados para lembrar o profissional de lavar as mãos antes de examinar o paciente, por exemplo? Sabiam que estudar o deslocamento dos profissionais e dos pacientes, dentro de uma unidade de saúde, pode otimizar os fluxos internos com ganho significativo de dinheiro, tempo e segurança? O controle de estoque já é uma questão básica e comum. A segurança na administração de medicamentos também vai aumentar muito com essa nova tecnologia.

A polêmica em relação ao uso do chip ocorre, na verdade, por evidenciar outro problema. Utilizar carga horária para reivindicar melhores salários é muito comum em saúde. A carga horária está realmente sendo cumprida por todos? Tenho certeza que a maioria cumpre, porém, existem inúmeros profissionais que não o fazem. Se vou pagar por um serviço, o mínimo que preciso exigir é a presença do profissional, ou não?

O que não pode acontecer, na minha opinião, por total falta de coerência, é exigir melhores salários por uma carga horária “X” e querer trabalhar 3/4 de “X”. Sabemos que isso acontece. Atitudes compensatórias provenientes da elasticidade moral devem ser abolidas. Um erro (baixos salários ou más condições) não se corrige com outro (serviço mal feito ou incompleto). Quem paga quer qualidade, quem aceita realizar o serviço, ciente da remuneração, deve procurar fazê-lo de maneira bem feita. Acredito nisso. Não estão pagando bem ou não oferecem as mínimas condições para se trabalhar com tranquilidade? Reúna forças para melhorar a situação ou procure outro serviço. Simples assim.

Finalizando, defendo outro argumento contra a utilização dessa tecnologia no setor público. A saúde está subfinanciada e utilizar o que há de mais moderno e caro para monitorar frequência é, no mínimo, um desperdício absurdo. Colocar uma pessoa na porta da instituição, monitorando a presença e a permanência, certamente ficaria bem mais barato e tão resolutivo quanto. RFID sem um desfibrilador que funcione, por exemplo, também é uma vergonha. Questão apenas de definir as reais prioridades.

terça-feira, 17 de julho de 2012

A Teoria do Dono


“Aqui tem Dono!” é uma expressão espetacular utilizada pela Ricardo Eletro. O fato de alguma coisa possuir Dono, intrinsicamente sugere que ela está sendo vigiada e bem cuidada. Ninguém deixa seus pertences largados a esmo. “O olho do Dono é que engorda o gado!”: outra expressão fortíssima e carregada de verdade também. “Quer algo bem feito? Pega e faz!”. Pois bem, isto é gestão: fazer as coisas acontecerem.

Na saúde, ainda estamos engatinhando e precisamos evoluir bastante. A maioria dos prestadores (entenda-se médicos) é avessa a gestão. Inocência, talvez, seja a palavra mais sutil para definir essa posição dos médicos. Costumo dizer que quem não sabe administrar será administrado, impreterivelmente. Infelizmente, a maioria das pessoas desconhece a essência das técnicas de gestão.

“Balance Scorecard”, “5W2H”, “SWOT”, “5 Forças”, “Matriz BCG”, “PDCA”, “Lean” e “6 Sigma” são algumas das técnicas utilizadas em gestão e que estão invadindo o setor de saúde. Independente da técnica utilizada, a essência é uma só: projetos precisam de Donos. Todas as técnicas se mostraram eficazes quando a equipe entende os seus propósitos. Quem é o responsável por fazer a equipe entender? O Dono, claro!

Projetos sem Donos são natimortos. Esquecidos, enfraquecem e morrem, mesmo quando a ideia mostra-se fantástica. As técnicas são excelentes para sistematizar os processos; porém, quem resolve os problemas são as pessoas. Não existe técnica perfeita, todas possuem suas limitações.

Vale lembrar que o Dono não toma as decisões sozinho, não faz tudo sozinho e não está, jamais, sozinho. O Dono moderno trabalha junto com sua equipe, escutando-a e catalisando condições para o melhor rendimento de cada membro. O verdadeiro Dono sabe que, em gestão, dividir é multiplicar.

Não defendo uma técnica específica, apesar de possuir minhas preferidas. Defendo atitudes diante do problema. O querer resolver o problema, seja do projeto, seja do cliente, é o combustível necessário para as técnicas funcionarem. O colaborador que quer resolver, resolve. Este precisa ser valorizado dentro das instituições. Mesmo não resolvendo o problema, apenas ajudar a resolver já é suficiente.

Um outro exemplo típico é o paciente sem Dono (médico). Insatisfeito com o sistema, esse paciente continua alimentando-o por falta de alternativa; visita inúmeros médicos, mas não possui nenhum que o assuma de verdade. Caro para o sistema, continua frequentando o pronto-socorro, peregrinando pelos Hospitais e realizando inúmeros exames desnecessários. As fontes pagadoras, felizmente, já começam a perceber que as medidas preventivas e o “Dono” podem ajudar a economizar bastante na conta do final do mês. Defendo a Teoria do Dono! 

terça-feira, 10 de julho de 2012

O Bom Clínico e a Super Especialização


A clínica médica vem retomando sua força dentro da medicina. A especialização é necessária e indispensável; porém, sua banalização tornou-se cara e insustentável para o sistema de saúde. O usuário possui vários médicos especialistas, mas segue sem “dono”. Passou a ter um plano de saúde e não um médico. Isso é muito arriscado e caro.

Na economia atual, onde se busca qualidade a um preço acessível, o Bom Clínico resurge como a melhor alternativa para a sustentabilidade do sistema, em qualquer nível, seja ambulatorial ou hospitalar.

Mas o que seria um Bom Clínico? Para mim, é aquele médico inquieto, medroso, avesso a rotina, estudioso, empático, ciente dos seus limites, resolutivo e com uma boa formação. No Brasil, as boas universidades, as residências credenciadas pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e as especializações reconhecidas pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica são as melhores opções na formação adequada do Bom Clínico.

Lembre-se de que o Bom Clínico consegue resolver de 70 a 80% dos problemas de saúde dos seus clientes. Lança mão do que é mais simples e eficaz na medicina moderna, apesar de toda a tecnologia disponível no século XXI: uma boa anamnese e um exame clínico minucioso. O Bom Clínico pode pedir poucos exames, mas bem solicitados e embasados no quadro clínico individualizado do paciente, ao invés de abusar de uma propedêutica extensa e sem significado, fundamentada na falsa proteção do médico e na “vontade” sem justificativa do cliente “bem informado”. Gostaria de enfatizar que existem excelentes Clínicos especialistas também e estes, não raro, são referências em suas áreas.

Concordo plenamente com o MEC sobre a obrigatoriedade da Clínica Médica como pré-requisito para qualquer especialidade clínica. Especialistas sem uma formação mínima de Clínica Médica certamente serão muito mais caros para o sistema e perigosos para os pacientes. É claro, existem exceções.

O profissional que possui uma visão global da situação e do sistema em que está inserido, atualmente, é o mais valorizado no mercado de trabalho, não só na medicina. O Bom Clínico tornou-se um excelente investimento para planos de saúde e hospitais. Felizmente, voltou a figurar como “sonho de consumo” dos usuários do sistema de saúde.

Na medicina preventiva, o Bom Clínico é o cerne do sistema. Resolve a maioria dos casos e encaminha com sensatez e maior precisão ao especialista. Economiza dinheiro utilizando atenção e cumplicidade com o seus clientes.

No âmbito hospitalar, o Bom Clínico aparece como peça indispensável no controle da qualidade do serviço e da segurança dos pacientes. Os mais avançados hospitais do mundo possuem equipes de Clínica Médica (Medicina Interna ou Hospitalistas) fortes e atuantes, sinal de eficiência com economia. A Clínica Médica é o lubrificante das engrenagens das instituições hospitalares, promovendo uma continuidade do cuidado e criando uma referência para o paciente e seus familiares. Centraliza as informações, facilitando o entendimento das condutas e evoluções pelos pacientes e familiares.

Analisando a situação sob as várias visões – do paciente, do médico, da enfermagem, dos familiares e dos gestores –, o Bom Clínico, indiscutivelmente, é a melhor alternativa. Assim como em todas as frentes – ambulatorial, urgência e internação.

Infelizmente, sabemos que esta não é a realidade da maioria dos Clínicos brasileiros. Sucateados e mau pagos, acabam caindo no sistema, que é extremamente cruel. A valorização do Bom Clínico ressurge a partir da nossa atuação direta com os pacientes. O mercado pede, o cliente exige e a boa medicina agradece. Bem vindo de volta, meu Bom Clínico! 

terça-feira, 3 de julho de 2012

Produção Científica Fútil


     A grande maioria da produção científica em saúde é absolutamente fútil. A neurose curricular, já discutida neste blog (Currículo Adicto), gera a publicação de infindáveis artigos com pouquíssima, ou nenhuma relevância científica. Publicar por publicar tornou-se uma praxe no meio médico.

   A quantidade tornou-se mais importante que a qualidade na produção científica. Sociedades de especialidades médicas felizes, divulgando, aos quatro ventos, que tiveram mais de quinhentos trabalhos inscritos no último congresso. Destes, pouquíssimos são relevantes. Será que realmente vale a pena valorizar o publicar por publicar na medicina?

  Outro fator preocupante é a gigantesca influência da indústria farmacêutica nesta seara da produção científica em saúde. Influência esta, muitas vezes voltada para o lucro e não para os pacientes. As medicações mais pesquisadas são para uso crônico, utilizadas por pessoas que podem pagar e em doenças que não matam agudamente. Depressão, déficit de atenção, dislipidemia e hipertensão são alguns exemplos. Ao contrário das doenças dos pobres, como por exemplo, malária, tuberculose e dengue.

   Alguns valorizam o estudo e o empenho do autor na confecção do trabalho ou pôster, o que realmente é louvável. Na minha opinião, o coordenador da equipe ou os membros mais experientes, deveriam estimular trabalhos e projetos realmente úteis para o dia-a-dia do profissional e da instituição. A publicação de relatos de casos deveria ser unificada em um banco de dados único, mundial e regionalizado, para realmente possuir algum poder científico e epidemiológico.

     Os sites que compilam os trabalhos, realmente significantes, da literatura médica tornaram-se indispensáveis. Valorizo aqueles que gostam de atualização científica constante e chegam a ser até obsessivos compulsivos neste assunto. Sem eles, não separaríamos o joio do trigo.

   Quem nunca teve um monte de artigos científicos para serem lidos? Tenho um colega que, percebendo a montanha dos não lidos crescendo desproporcionalmente a dos lidos, resolveu o problema de forma simples e objetiva: parou de ler artigo científico. Estuda em livros e em sites confiáveis de compilação científica. Considero uma boa alternativa, principalmente para acadêmicos e residentes.

   Na minha curta carreira como médico, já vi alguns remédios e procedimentos irem do céu ao inferno em um curto espaço de tempo. As mesmas revistas e sociedades que louvam, apedrejam em questão de meses. Todos sabemos que a verdade em medicina é muito lábil. O que é certo hoje poderá ser massacrado no futuro próximo. Seguir os últimos artigos, sem crítica, é garantia de erro. Como já dizia Paulinho da Viola na sua consagrada canção, Argumento: "Sem preconceito ou mania de passado, sem querer ficar do lado de quem não quer navegar. Faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar."